J.A.T. template series was designed 2006 by 4bp.de: www.4bp.de, www.oltrogge.ws
PEREGRINAÇÃO DOS FRÃGEIS - 23 MAIO Imprimir EMail

 

Peregrinação dos Frágeis: uma metáfora viva do que somos

 
Muito se tem discutido – e, só por isso já teria valido a pena a provocação – o título dado pelo SDPSaúde à congregação de doentes, idosos, deficientes e outros em quem é manifesta a fragilidade que todos partilhamos como modo de ser e estar no mundo. No simples facto do debate suscitado pelas palavras já se cumpre um dos grandes objectivos da Missão 2010: levar-nos onde habitualmente não vamos. E, se há realidade que frequentamos pouco, essa é a da consciência da própria fragilidade. E, sem consciência desta, não há possibilidade de acesso ao sentido de peregrinação, outro nome da existência cristã pelos dias parcos da travessia deste lado da vida em que somos passageiros.

Não há como não chamar fragilidade à fragilidade. E também não há porque não chamar à fragilidade o seu nome próprio, que é fragilidade, que, desde a primeira hora, mal o Bispo anunciou que iríamos fazer do ano 2010 um ano de Missão diocesana, o SDPSaúde apresentou a sugestão de inscrever no programa da Missão o processo a que agora chamamos a Peregrinação dos Frágeis: para percebermos que o nome próprio da fragilidade mora nos milhões de nomes que as pessoas podem ter. A fragilidade tem o nome singular que cada pessoa tem.

Um equívoco sócio-cultural: utilidade e necessidade

Promovemos a Peregrinação dos Frágeis porque vivemos num tempo de fragilidade escondida, mascarada, escamoteada, iludida; um tempo que, cada vez mais, valoriza os úteis e se esqueceu que não é a mesma coisa dizer inútil e desnecessário; um tempo que confunde inutilidade com não-necessidade. Envolvemo-nos nesta caminhada porque, muitas vezes, nós mesmos, Igreja, nos rendemos ao espírito do tempo e dizemos às pessoas que valem porque são úteis e enquanto são úteis.
A Peregrinação dos Frágeis quer afirmar: as pessoas não valem porque são úteis, nem se pode consentir que pense tal quem é deficiente, quem está doente ou é doente, ou quem já atingiu os lugares mais elevados da idade; não podemos basear de maneira nenhuma a nossa reflexão, o nosso discurso e a nossa acção sobre o seu valor na sua utilidade.

Mais dia menos dia, cada um de nós será um inútil, se a morte não o levar subitamente. Mais dia menos dia, chegará o tempo em que seremos inúteis e se pensarmos que a nossa razão, que o nosso valor é a nossa utilidade, estamos equivocados, estamos a alinhar nesta perversão utilitarista da cultura do tempo que respiramos. É que a cultura não é apenas o que se passa nas universidades, nas galerias de arte e nas salas de conferências, espectáculo ou concerto. A cultura é como o ar que respiramos, é o modo de pensar, a mentalidade. E a mentalidade diz: valho, se sou útil e, se não sou útil, sou um inútil, não valho. E a nós os que acreditamos em Jesus Cristo e somos o Seu Corpo presente na História, passando além desta mentalidade equivocada, a nós cabe dizer que cada um vale não porque é útil, mas porque é necessário. Dizer de modo a que se acredite.
Não podemos não nos perguntar: qual será o “velhinho inútil”, sobrecarga evidente, porque já nada produz e limita a vida dos filhos e impõe sacrifícios e custos e... quanto “atrapalha”; ou qual será o doente acamado que nada pode fazer e a quem tudo têm que fazer; qual será o deficiente ou o doente crónico – uns fazem mais coisas outros fazem menos coisas, uns são mais úteis outros são menos úteis, alguns são absolutamente inúteis – qual destas pessoas, sabendo-se inútil, sentindo-se inútil (é uma amargura tremenda, no tempo que corre, sentir-se inútil!!!) não encontra um sentido para querer viver – e viver é, muitas e magoadas vezes, querer viver – se tiver um neto, um filho, um amigo, um igual, um visitador, um rosto que espelhe o seu, que não lhe diga que ele é útil, mas o faça sentir necessário?
Por isso, vamos fazer uma Peregrinação dos Frágeis: no coração da Missão, porque Dia de Pentecostes, e o Espírito é o Espírito da consolação, da fortaleza, e da sabedoria, inscreveremos esta profecia no coração da cidade.

Fragilidade, Peregrinação e Povo de Deus

São muitas as razões para convocarmos os frágeis a fazerem-se peregrinos: é que a nossa fragilidade faz de nós peregrinos. E só quem se sabe frágil se faz peregrino. Temos que nos fazer peregrinos com aqueles que já se sabem frágeis, para aprendermos deles a sermos de facto peregrinos, não apenas vagabundos errantes ou turistas desfrutantes; aprender com eles a atravessarmos a vida com sentido, a assumirmos todos a fragilidade que nos constitui como peregrinos. Não é um acaso, um acidente ou um azar: a fragilidade é a nossa condição, e o seu sentido é tornar-nos peregrinos, peregrinos solidários, revelando-nos o verdadeiro sentido da vida, que é ser peregrinação.

Por que é que chamamos à Missão 2010, nesta Peregrinação, aqueles que na doença, na velhice, na deficiência já manifestam a fragilidade comum a todos nós? Porquê? Para dizer a todos eles: a Igreja não passa sem vós! Porque a grande tragédia dos já manifestamente frágeis é sentir que tudo se passa e eles não são necessários e com eles não se passa nada. Por isso, queremos esta Peregrinação, para lhes dizer claramente, com todo o empenho, com todo o trabalho e com todo o esforço, que nos comprometemos com eles. Queremos, desta maneira, aos já atingidos no seu corpo, na sua mente, na sua alma, pela fragilidade, dizer: nós não somos nada sem vós! Nós precisamos de vós para ser inteiros. O Corpo de Cristo precisa de vós para ser de facto Corpo de Cristo.

O Povo de Deus sabe-se peregrino na História. Queremos convidar os frágeis, aqueles que sabem já que são frágeis, aqueles em quem já se manifesta a fragilidade, queremos convidá-los para lhes dizer e provar que lhes reconhecemos condição de sujeito na Igreja. E são sujeito. Não queremos fazer da Peregrinação dos Frágeis um exercício de paternalismo ou de “coitadismo eclesiástico” tradicional. Queremos fazer da Peregrinação dos Frágeis um momento de viragem, um momento para os descobrirmos, para os reconhecermos, o sujeito de uma mensagem necessária.
Os frágeis não podem ser apenas objecto da solicitude da Igreja, embora tenham de o ser e nunca possam deixar de ser destinatários de um amor multi-preferencial por parte da Igreja. Mas é preciso que façamos o percurso que falta fazer: reconhecer-lhes também condição de agentes pastorais, evangelizadores e sujeitos participantes, tão baptizados como todos os baptizados e tão chamados a participar corresponsavelmente na missão da Igreja como todos os baptizados. Por isso, queremos fazer uma Peregrinação dos Frágeis e inscrevê-la no coração da Missão, nesta Missão que quer levar a Igreja do Porto mais longe, a chegar a sítios onde não chegou; não só a espaços, também à consciência de realidades novas. Mas também a espaços ainda não frequentados a Peregrinação dos Frágeis oferece a possibilidade de aceder: ela é pretexto para irmos bater a portas que nunca batemos, a perguntar se lá há alguém que precisa de nós, porque está só, ou porque é velho, ou porque é doente, ou porque é deficiente... Chegar mais longe, chegar a quem habitualmente não chegamos, olhar de maneira diferente para aqueles que já sabemos, para aqueles que já conhecemos. Quantos e quantos não haverá completamente entregues a si mesmos na solidão colectiva de instituições desumanizadas ou na solidão individual da sua casinha de aldeia ou do seu apartamento de cidade? Quantos? Quantos não precisam de ser procurados por esta Igreja, Corpo do Bom Pastor?

A Profecia da Fragilidade

Queremos fazer esta Peregrinação porque os frágeis são, na Igreja, uma palavra indispensável à profecia que a Igreja tem que dizer: o valor e a dignidade da pessoa não depende de nada além de, simplesmente, ser. A mensagem do tempo, veja-se os media, a publicidade, é outra: O que é que vale? O que é que nos faz valermos? É o que temos, o que fazemos, o que desempenhamos, o que triunfamos, o que parecemos, o que gozamos? Não! Nós valemos simplesmente porque somos e somos pessoas! E de que maneira o podemos dizer? E quem nos pode dizer isto? São aqueles que nada têm, que nada podem, que nada fazem e que nada gozam. Apenas são. São! E esta é a profecia que a Igreja tem que dizer à cultura do tempo que vivemos. Nesta profecia, o papel activo, papel de sujeito, daqueles que são já manifestamente frágeis é indispensável. Eles são, na Igreja, palavra indispensável da profecia que esta tem para dizer ao tempo que estamos a viver.

Por isso, queremos uma Peregrinação dos Frágeis, queremos uma peregrinação com aqueles que em si já expõem a fragilidade que é comum a todos, mas deliberadamente esquecida, escamoteada. Queremos dizer-lhes que eles não são apenas uma retaguarda orante dos activos na Igreja. Aliás, pelo facto de serem orantes nunca seriam retaguarda, porque na Igreja a oração vai sempre à frente. Dizer aos velhos, aos doentes, aos deficientes: “Estamos em Missão. Vós, coitadinhos, rezai porque nós temos muito que fazer”. Mesmo que só pudessem rezar não seriam retaguarda, seriam vanguarda. Aquilo para que os queremos convocar, aquilo para que somos todos convocados, numa peregrinação como esta, é para nós próprios compreendermos que aqueles que são frágeis, aqueles em quem já se expõe, de maneira crua, a fragilidade comum, são a vanguarda profética da Igreja. Não são meramente a retaguarda orante da Igreja, mas são a vanguarda profética com o testemunho da sua confiança, pela manifestação da sua esperança, pela sabedoria que só a experiência da fragilidade concede; sabedoria real, a confiança, a esperança. É sabedoria real que sabe valorizar o que tem valor e reconhecer a relatividade daquilo que não o tem.

Faremos uma Peregrinação com os frágeis, a Peregrinação dos Frágeis em dia de Pentecostes, porque eles são a vanguarda profética desta profecia que a Igreja tem que pronunciar, denunciando e desmascarando a auto-suficiência e a ilusão de omnipotência em que vivemos e anunciando e proclamando a primazia do amor na verdade da pessoa e da cidade.

Queremos é pedir aos doentes, aos idosos, aos deficientes não apenas que rezem mas que nos ensinem a ser peregrinos, peregrinos na sua fragilidade, peregrinos com a sua fragilidade, peregrinos na nossa fragilidade, peregrinos através da nossa fragilidade que não podemos iludir, ao vê-los e ouvi-los com o olhar de quem se inclina como Jesus na Quinta-Feira Santa, sabendo que somos chamados a reconhecer que Deus, na parábola do Bom Samaritano, tanto é o samaritano como o homem meio morto deixado para trás, na margem do caminho.

Seremos capazes deste olhar e destes gestos?

Assistente do Secretariado Diocesano da Pastoral da Saúde –

De Voz Portucalense, 31 de Março 2010

 

 

 

< anterior   Seguinte >
J.A.T. template series was designed 2006 by 4bp.de: www.4bp.de, www.oltrogge.ws
Patanol